quinta-feira, fevereiro 28, 2008

Cubra-me

Cubra-me com o cobertor porque está frio lá fora, amor; prometo que já levanto para fazer o café. O sono está bom, a cama quentinha, o travesseiro macio. Volta, vamos ficar abraçadinhos esperando o sol nascer. Vamos deixar o dia começar lento, depois tomar um banho demorado e nos atrasar para o trabalho - quem vai ver? Coloca aquela música que eu adoro, acende um incenso e apaga o abajur. Vamos fingir que ainda é noite, não quero acordar, não quero lembrar que já é dia de recomeçar. Me deixa ficar aqui mais um pouquinho, sentir o seu cheiro no travesseiro e pensar que nada mudou. Não, não posso estar simplesmente sonhando, ainda sinto seu braço encostando no meu. Não fale bobagens, quando eu abrir os olhos você vai estar lá. Tudo vai passar, só preciso de mais algum tempo. Por enquanto, me deixa sonhar.

domingo, fevereiro 17, 2008

Pão de queijo

Todo dia é a mesma coisa. Na barca Rio-Niterói, saída às 9h, entra uma mulher carregando o filho de aproximadamente quatro anos em uma mão e uma mochila de rodinhas na outra. Até aí, tudo certo. Mãe sorridente, criança quietinha, ufa!, a viagem de 15 minutos vai ser tranqüila.

Mas basta o garoto passar em frente à lanchonete para começar a ladainha matinal: “mãe, me dá pão de queijo?”. Responde, “não, vamos procurar um lugar pra sentar”. Bastante atolada, senta com seu filhote no colo, que volta a pedir: “mãe, me dá pão de queijo?”, e volta a ouvir “não”.

Neste ponto da conversa a carinha já começa a emburrar e o bico a aparecer. “Eu quero pão de queijo”, não mais pede, afirma, num tom de voz um pouco mais alto. Os passageiros ao redor olham com um certo desagrado, a barca começa a andar, a mãe fica calada, já sabendo o que está por vir.

Repete. “Eu quero pão de queijo...”. Choraminga. “Eu quero pão de queijo...”. Grita. “EU QUERO PÃO DE QUEIJO!!”. E nesse momento, tudo acabado. Esperneia, bate na mãe, a mochila cai, ai que sufoco! Começa aquele burburinho, passageiros de cara feia, uns rindo da situação, outros pedindo silêncio.

Neste momento, eu, na minha quietude matinal, esforço-me para não ficar irritada e, calmamente, mudo de lugar para ouvir meu MP3. Mas, da próxima vez que encontrar o moleque e sua mãe sem atitude, vou fazer um apelo:

- Ô mãe, já que você não dá educação, dá logo a porcaria do pão de queijo!

sábado, fevereiro 16, 2008

O Valor da Senioridade

Hoje de manhã, sentada no ônibus a caminho do trabalho, vi um senhor de uns setenta e poucos anos cair no meio fio quando ia atravessar a rua. Levava umas três sacolinhas amarelas em suas mãos, dessas de supermercado, que em poucos minutos se espalharam pelo chão.

No primeiro momento, ficou ali, sentado, com os olhos desolados sem conseguir se levantar. Instantes depois, uma moça e um rapaz chegaram para ajudar, solicitando aos motoristas um pouco de paciência enquanto levantavam o idoso do chão.

Fiquei olhando a cena, agradecendo mentalmente a Deus por ter aparecido socorro. Acredito que a expressão de impotência nos olhos do senhor de cabelos tão brancos tenha me deixado com o coração apertado. Pensei, “quantas coisas ele já deve ter vivido, e hoje está ali, caído no chão, sentindo-se, provavelmente, tão impotente”.

Envelhecer não deve ser fácil. Você retorna a infância, pois se torna dependente do outro, mas sem a energia e vivacidade típicas de uma criança. Além disso, é um retorno sem graça: não desperta a atenção do outro, nem a compaixão. São poucos os que dão aos idosos o seu grande valor.

Ter muita idade é ter muito para contar. Histórias de amores e amantes, lágrimas e sorrisos, paixões e tormentas, conquistas e perdas, enfim, histórias desenhadas em cada ruga ou fio de cabelo branco, incalculáveis. São décadas vividas transformadas num tipo de conhecimento que somente arrecadamos ao longo da nossa caminhada. Ser velho é ser memória do tempo que já se foi.

É uma pena que nós, principalmente jovens, não consigamos enxergar a senioridade assim. Sem paciência, criticamos seus passos lentos na rua. Sem compaixão, somos incapazes de levantar e ceder nossos lugares no ônibus – seja ele reservado ou não para o idoso. Sem interesse, não ouvimos o que têm a contar na fila ou no banco da praça. “Um saco”, pensamos.

De fato, nem toda a maior idade sabe falar ou ouvir. Têm os que só reclamam e falam de doença, tanto que nem sabem como ainda estão vivos; têm os que desenvolvem manias, aquelas famosas “coisas de velho”; têm os que se tornam cabeças-duras ou gênios da maioridade, tudo o que você diz tem como resposta “já estou velho o suficiente para saber disso”; têm os carentes, que vão para a fila do banco só para bater-papo furado com o vizinho da frente.

Porém, se não dermos, nem que seja, o mínimo da nossa atenção, perdemos a oportunidade de ouvir um idoso que tenha participado de manifestações, vindo foragido de outro país, ou mesmo que tenha vivido um romance por cartas de amor. Sem a troca, não há aprendizado. E isso porque achamos que ser velho é sinônimo de ser chato.

Por favor, respeitemos os seus cabelos brancos e valorizemos as suas experiências. Encaremos suas chatices com risadas, mesmo que na hora sintamos um pouco de raiva. Deixemos que vivam seus dias, talvez os últimos, despudorados, com a felicidade de quem muito já fez e não tem mais nada a perder.

Sorte do senhor que, caído no chão, encontrou duas boas almas, cheias de compaixão, para ajudá-lo a se reerguer. Como recompensa, um sorriso sem graça de agradecimento, tão simples, tão singelo, mas que falou mais do que palavras – veio do coração.

Aos jovens solidários, eu diria, missão cumprida.

terça-feira, fevereiro 12, 2008

Hipocrisia

Hipocrisia. O mundo está cheio dela.

Ativistas contra a corrupção, mas que não dizem “não” quando precisam pagar caixa dois para ganhar uma concorrência.

Pessoas que pregam uma vida sem luxo, totalmente em contato com a natureza, mas com vista para a Lagoa, é claro.

Homens e mulheres que criticam o governo, no entanto votam nele de novo para garantir que suas empresas não sejam privatizadas.

Fiéis - de todos os tipos – que cultivam valores cristãos, mas enchem a boca pra falar da vida alheia.

Gente hipócrita cheia de ideologia. Na teoria, é claro; porque na prática, a história é outra.

Quem somos nós, seres humanos, para pregar o que não conseguimos cumprir? Gente estúpida. Enganamos a nós mesmos ao invés de enxergarmos a simples verdade: somos falhos. Não existe remédio - é uma condição.

Talvez para aceitá-la procuremos valores dentro de uma sociedade que já está completamente desvirtuada. Tendo no que se basear, o sentimento de redenção torna-se mais viável: erramos sabendo que aquilo não faz parte de nós. Assim, nos perdoamos e vivemos bem com a nossa consciência.

Falar é fácil. Agir conforme nossas palavras, não. Julgar e criticar o outro também é fácil. Ter somente atitudes corretas, não.

Portanto, visto que somos errantes, antes de sair espalhando palavras ao vento, olhe para você mesmo e reflita. Veja se o que vai falar condiz de fato com as suas atitudes. Caso contrário, sinto muito: você faz parte dessa gentinha hipócrita.

terça-feira, fevereiro 05, 2008

Imensidão

O que será que esconde por trás desses olhos tão distantes? Olhos que vagam pelo dia, profundos. Olhos que fazem de mim refém do não saber - o que sentir, o que pensar. Olhos que falam calados, despertos por sentimentos ora já vividos, ora a serem descobertos. Por que ficaram assim? Difíceis de decifrar, faltam palavras. E ao mesmo tempo, tão cheios de paixão e vida. São olhos que me olham e não me vêem; mas muitas vezes me vêem com loucura e muitas vezes enxergam a minha alma.